Nos versículos iniciais do capítulo 12 do livro dos Números, lemos que Moisés – por causa de sua esposa – foi criticado por Mirian e Aarão.
Não falarei de todo o episódio, mas quero chamar a sua atenção, para o versículo 3: “E Moisés era o homem mais humilde da Terra”.
Essa frase curta não parece um elogio, embora seja positiva. Ela parece mais uma constatação: Moisés era mesmo o homem mais humilde da Terra. E a humildade, é o solo fértil da virtude.
Nos últimos textos, eu falei da minha trajetória intelectual, da necessidade de confissão como abertura à misericórdia e de como até mesmo as críticas à fé podem ser matéria para meditação. Eu contei, direta e indiretamente, os meus próprios passos na vida intelectual.
A vida intelectual, retamente vivida, é um dom de Deus; um daqueles talentos que precisamos aprender a frutificar. Quando desordenada, por outro lado, essa inclinação para a verdade tenta quem a carrega para o caminho da soberba. O vício da soberba faz com que pensemos ser a fonte da verdade que apenas reconhecemos.
O profeta Moisés prefigurou Cristo – Aquele que foi manso e humilde de coração – no Antigo Testamento. A esse homem tímido foi dado algo que os sábios e demais profetas nem poderiam sonhar. Você sabe o que lhe foi dado?
É o próprio Deus quem o diz no capítulo 12 dos Números: “Com ele falo face a face! Ele vê mesmo a semelhança do Senhor!” Em palavras mais simples, podemos dizer que Moisés viu a sabedoria e o amor que ordenam todas as coisas.
Não foi à toa que o filósofo judeu Fílon de Alexandria tentou aproximar Platão de Moisés. O que o sábio grego almejou, o profeta hebreu alcançou.
Moisés foi chamado por Deus. Relutante pela grandeza da missão, precisou ser conduzido pacientemente pelo Senhor. Moisés sabia que não estava à altura do que Deus lhe pedia; mas sabia, também, que não se pode virar as costas a Deus.
Eu quero que você note, a docilidade de Moisés. Veja como ela é diferente da passividade. Para que ele pudesse cooperar com o plano divino, não poderia ser um autômato. No entanto, consciente de sua pequenez, tampouco conseguia aceitar a missão com tranquilidade. A docilidade de Moisés foi uma tensão ao longo de toda a sua vida.
A tensão entre saber quem era e fazer a vontade de Deus – que estava além das suas possibilidades naturais – compõe a biografia de Moisés. Compõe aquilo que conhecemos como vida espiritual.
Ao modo da massa de pão, que precisa ser misturada e sovada para receber o ar e crescer, Moisés foi se tornando humilde conforme os propósitos de Deus. Ele só pôde guiar o povo hebreu da escravidão do Egito (pecado) até a terra prometida (libertação), passando pelo deserto (penitência), porque sabia não ser o guia perfeito, capaz de livrar o seu povo da ferida herdada desde Adão.
A Moisés – profeta e guia dócil – foi revelada a origem de todas as coisas, a fonte mesma da sabedoria a que os filósofos aspiraram. Em seu comentário ao livro do Gênesis, Santo Efrem, o sírio, explica as razões pelas quais Moisés escreveu a visão recebida de Deus: “Quando os filhos de Abraão foram ao Egito, e se afastaram de Deus como todo o mundo, e se afastaram também dos belos mandamentos afixados em sua natureza [...], Deus quis – por meio de Moisés – reordenar aquilo que tinha se tornado confuso [...]”.
Moisés viu e narrou a ordem das coisas tal como Deus a criou. Viu e narrou, ainda, a desordem e a maneira como ela entrou na vida humana com a queda de Adão e Eva. Em um poema dedicado ao nascimento de Cristo, Santo Efrem escreveu que “Moisés Vos reconheceu”.
Consegue perceber, como Moisés viu e viveu conforme a sabedoria com que os filósofos tanto sonharam?
Desde o início, Moisés teve consciência de que a sabedoria não era sua, mas de Deus. E que deveria agradecer ao invés de exaltar a si mesmo.
O que acha de tomar Moisés como um de seus modelos na vida espiritual e intelectual?
Até breve.
Victor.
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Eu recomendo a leitura da Vida de Moisés, escrita por São Gregório de Nissa.
Scott Hahn e Curtis Mitch comentaram o livro do Êxodo em um de seus Cadernos de Estudos Bíblicos.