Você já teve aquela impressão de perder tempo?
É um sentimento de culpa que acompanha o exame daquilo que deveríamos ter feito. Temos a certeza – ainda que sem saber exatamente por qual motivo – de que precisamos ser produtivos e fazer muitas coisas ao longo do dia.
Você tem essa certeza? Já terminou algum dia frustrado porque gostaria de ter feito mais? Eu passei por isso muitas vezes e ainda passo, ocasionalmente.
O que significa o horror a perder o tempo? A resposta não é tão óbvia como parece. Neste e-mail eu quero convidar você, a examiná-la melhor.
Se você é cristão, pode responder que a vida e o tempo são dons de Deus. Desperdiçá-los é uma forma de infidelidade, de ingratidão. Aproveitar o tempo significa, pensando assim, oferecer as suas obras a Deus.
Se, por outro lado, você não tem fé, ainda assim vai querer aproveitar o tempo. Talvez a sua reação seja: “o que mais eu poderia fazer?” As tarefas realizadas seriam um lenitivo para a falta de sentido.
Em ambos os casos aparece a ânsia de preencher o tempo. O tempo não preenchido deixa, logicamente, uma sensação de vazio. É como uma tarefa não cumprida.
A ânsia pela produtividade, em todos nós, dificulta que paremos a pensar se a nossa vivência do tempo é autêntica. Se parte do sentido está na produtividade, por que nunca queremos parar? Você já pensou nisso?
O problema do tempo e do seu sentido nas nossas vidas encontra na Bíblia uma orientação que não podemos desperdiçar. E eu quero te mostrar, como essa orientação me ajudou e pode ajudar você também.
No relato da Criação, narrado no livro do Gênesis, lemos que Deus fez o mundo em seis dias e descansou no sétimo. No capítulo 20 do livro do Êxodo, ao revelar os dez mandamentos, o Senhor diz ao povo hebreu que trabalharão por seis dias, mas não farão obra nenhuma no sétimo. Esse dia, o sétimo, é consagrado a Deus. No versículo 20, vemos que Deus abençoou e santificou o sábado.
“O Cristianismo não ‘aboliu’ o sábado?”. É uma boa pergunta. Com a Ressurreição de Cristo, parece que o domingo pascal (o oitavo dia, como o chamavam os Santos Padres) ocupou o lugar do sétimo. Mas aqui os Padres da Igreja também nos auxiliam a meditar melhor nos mistérios revelados: no sábado de aleluia, Cristo descansou no túmulo. Ele abençoou e santificou o sábado ao completar a sua obra de recriação.
No Evangelho, Cristo disse de Si mesmo: “Eu sou o Senhor do sábado”. O domingo pascal (todos os domingos são pascais) completa e aperfeiçoa o sábado. Este, por sua vez, tem o seu sentido original restaurado e levado à perfeição em Cristo. O sentido original do sábado, é o coração da nossa santificação do tempo.
Para meditarmos em qual é o sentido original do sétimo dia, precisamos voltar ao relato do Gênesis. Quando Deus criou o homem, fez dele o jardineiro de toda a criação. Isso significa que o homem foi criado para se aperfeiçoar (ser feliz, no sentido verdadeiro da palavra) trabalhando na criação, alimentando-se dela (literal e metaforicamente). A coroação das tarefas humanas, plenas de sentido, seria o oferecimento (sacrifício) delas a Deus.
Adão, no entanto, foi alertado de que não poderia se alimentar de um único fruto: aquele da árvore do conhecimento do bem e do mal. Em um mandamento específico, Deus pediu a Adão que fizesse jejum daquele fruto. Ao cair na tentação diabólica e se alimentar dele, Adão desordenou a harmonia da criação divina: passou a ver nela o seu verdadeiro fim.
Consegue perceber, como Adão confunde a verdadeira fonte da sua realização? Você sabe qual a consequência da confusão? Com a vista turva, Adão passa a querer consumir a criação, aproveitando ao máximo o tempo para encontrar a sua satisfação.
Ao controlar o tempo, ao manipular cada ação em lapsos temporais específicos, os filhos de Adão – que somos você e eu – queremos nos tornar os senhores do tempo.
As coisas deste mundo – criadas originalmente para formarem o templo de Deus – são aproveitadas como se fossem as únicas capazes de satisfazer os anseios humanos. Por isso, quanto mais, melhor; quanto mais o tempo for aproveitável, produtivo, mais próximos estaremos da “felicidade”.
“Mas”, você pode perguntar, “e se eu oferecer as minhas obras a Deus?” Nesta pergunta está o exame de consciência que eu quero te propor. Vou indicar algumas perguntas que te ajudarão:
Ao oferecer as suas obras a Deus, você não O está considerando como um avaliador de produtividade?
Quando você aproveita o seu tempo, o faz como ato de amor e entrega ou somente pelo resultado?
Você vale aquilo faz ou as suas obras são o aperfeiçoamento de um valor pessoal que você já tem?
Se você reconhece em si esse valor, Quem é o autor dele?
Eu quero que você medite nessas questões, até perceber como o dom da sua vida é uma irrupção da eternidade no tempo. Num próximo texto, eu direi como santificar a vida cotidiana também a partir de orientações bíblicas.
Até breve.
Victor.