No capítulo terceiro do Gênesis é narrada a queda de Adão e Eva.
A serpente, enganando Eva, disse-lhe que “se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal”. Eva comeu e deu o fruto a Adão. Os olhos de ambos se abriram, mas para que tivessem vergonha.
Envergonhados porque estavam nus, o versículo 7 narra que eles se cobriram com folhas de figueira. Depois de cobertos foi que ouviram a voz de Deus. Mas, ainda amedrontados, esconderam-se.
Santo Efrem, o sírio, em seus Hinos ao Paraíso, deteve-se na vergonha de Adão e Eva. O santo da igreja siríaca escreveu que a árvore do conhecimento do bem e do mal era como um véu que cobria o tabernáculo da árvore da vida.
Adão e Eva teriam visto a glória a que foram chamados por Deus; teriam visto quem poderiam ser graças ao amor de Deus. E daí sentirem vergonha pelo que fizeram. Envergonharam-se da transgressão e da traição ao amor de Quem os criou.
Leia comigo o capítulo 3 do Gênesis. Escondidos, e recobertos pelas folhas de figueira, é que Adão e Eva que foram interpelados. Escondidos, eles tiveram mais uma chance de assumirem a responsabilidade pela desobediência.
Mas parece que a vergonha foi mais forte. Parece que, de algum modo, ela estava vinculada à irresponsabilidade.
Você já teve vergonha de algo que fez? Tente puxar pela memória somente os momentos de vergonha, sem os sentimentos posteriores, que costumam encobri-la (especialmente raiva e culpa). Você consegue perceber, como a vergonha – em si – é difícil de suportar?
Tal como Adão e Eva esconderam a sua vergonha com folhas de figueira, também nós escondemos a nossas com as mais diversas máscaras.
Quais são as suas máscaras? Quais são as suas folhas de figueira?
O ressentimento pode ser mascarado como “sede de justiça”, os escrúpulos como “exames de consciência”, a irresponsabilidade como “indignação” contra qualquer “culpado” e assim por diante. Os exemplos se multiplicam.
Vamos voltar para a cena de Adão e Eva. Nós os vemos ainda com certa ingenuidade (não digo inocência, porque já fora perdida), tentando se esconder de Deus e desviarem-no da própria responsabilidade. Nós sabemos que isso não é possível.
No entanto, você nota como fazemos a mesma coisa? Nós também nos queixamos ao invés de assumirmos as nossas responsabilidades; também temos uma cegueira relativa em relação aos nossos vícios. Alguns, especificamente, demoramos a notar. E, quando por fim os percebemos, ficamos até surpresos: “como eu não percebi isso antes?”
Não os percebemos antes porque as nossas vergonhas também estão cobertas com folhas de figueira. Como é tão difícil de suportar a vergonha, que parece nos desestruturar por completo, nós a cobrimos imediatamente.
É um movimento rápido e, muitas vezes, sutil; ele passa até despercebido pela consciência. A vergonha é rapidamente transformada em outra coisa e a oportunidade de assumir uma responsabilidade – “Terias tu porventura comido do fruto da árvore que eu te havia proibido de comer?” (Gênesis 3, 11) – é deixada de lado.
No entanto, temos ainda uma nova oportunidade. As palavras de Cristo (Mateus 21,20) podem secar a figueira com cujas folhas queremos nos cobrir. A vergonha exposta – aos nossos próprios olhos e aos de Deus – passa a ser uma confissão.
Que tal pensar nas suas folhas de figueira?
Até breve.
Victor.